quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sete anos




Perdi a inocência e com ela o sorriso.
Não me encantam mais as letras imaginárias manchadas no muro em dias de chuva.
Ou então perderam-me...
Sei que nada restou.
Nem mesmo o amor, esse sistema de erros, sorrindo ao longe
e que insiste em me visitar como parente distante,
esquecido,
indesejado.
Agora saúdo apenas a orquestra que vai baixando de tom...
Assim fluida...
Menor,
Bemol,
palavras duras e fortes em voz mansa.
Não reajo.
Baixo os olhos, apanho a carteira de cigarros, empurro os farelos para o chão.
Aceito. 
Sei o preço exato de não se ter mais que sete anos...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Poema da estação




POEMA DA ESTAÇÃO

E a vida já parece intolerável:
Braços colados, mãos pálidas.
Herdei isso, como herdei objetos confusos.
Mas herdei tarde.
Mesmo compreendendo a parte mínima das coisas,
fui cego de esconder os olhos e algumas tendências naturais,
enquanto várias estações passavam dentro de mim.
Esperei um raio ordenador, mas ele não veio.
Sobrou-me apenas a fixação sentimental  
e algumas máscaras.
Depois disso não sei mais nada.

domingo, 1 de abril de 2012

Estrela de amanhã


Sólida, inquieta, imperativa e livre de tudo,
uma estrela palpável acaba de renascer e já cheira a leite.
Inquieta, ignora o rio difícil da vida,
dispõe o essencial: a calma das flores abrindo, antigas palavras escritas nos muros, dores, desejos individuais como arranjos de formas agora vertiginosamente felizes.
Decido-me: serei todo certezas e devorarei qualquer verdade sem angústia.
E nisso, mesmo ruborizado, não verei constrangimento algum.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma última invenção


A tia louca já não nutre mais esperanças.
Debruçada na vida, estranha a soberba do convívio, do abandono, da medicina.
Fatigada das promessas, do caminho, ensaia um último pretexto,
e repousa consumida pela explosão do coágulo.
Eu disfarço a opressão num contentamento imundo,
pois discutir naquele momento seria atrapalhar a farra honesta da vida.  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Duas linhas

O poeta despediu a nostalgia e outros pertences de uso pessoal, mas ninguém fez caso.
Ressentido, embrulhou o  poema em papel pardo, e o refugiou, ali, no fundo da sacola,
junto com outros gêneros de primeira necessidade. No fundo, o que falta para essa gente é apetite...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Versinhos


A Irmã Rita dizia que os santos eram bons
e apontava as figuras coloridas na cartilha.
Eu, saudoso de existência, aderia na pele a esperança e
compunha meu dicionário com palavras bonitas:
Amor, paz, fé e humanidade.
Hoje sei:  ainda não conhecia a poesia.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lamento de poeta


Patético, ainda percorre as mãos indecisas nos volumes da estante.
As prateleiras são espessas: de aço, de hábito, de desejo.
Tu, de cristal.
Por isso perturba-te,
e num feroz desgosto de tudo,  mata de novo teu Cristo Jesus.
Mas é inútil.
As milícias do tempo já te tomaram o essencial:
o ritmo elementar dos passos, o vigor da carne, da próstata, das imagens.
Já não és gente, já não és homem, já não és poeta,
e nem mesmo podes amarrar sozinho o cordão dos teus sapatos.