quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Destramando


Contraída, afônica e trêmula,
ejacula a triunfante vanguarda.
Desengonçada, em falso estilo
perturbou-se na montanha-russa,
expondo as feridas na vitrine.
Especulei:
A medida do homem é dada pelo buraco da fechadura.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Sensaborias


Num canto incrédulo da América,
suja de tristeza e de outras coisas insolúveis
A epopeia magoada do protético
Já cansada a dentadura,
e seu simpático hálito,
não tritura mais o tédio,
nem a carne quente da vida.
Despiu-se da curiosidade
e da detestável bengala.
Aflição querendo fugir da vida 
ou vontade de chegar em Passárgada?

sábado, 10 de dezembro de 2011

A hora de partir


Desta vez ela apareceu sem ligar. Entrou e percorreu demoradamente as prateleiras da minha biblioteca. Passou a mão em um dos livros e me perguntou se eu ainda acreditava naqueles poetas. Já acreditei mais, eu disse. “Hoje tenho fé, mas não tenho esperança”. Ela sorriu. “Leia pra mim o primeiro poema deste”. Li. Ela apanhou o livro da minha mão e pediu que eu o autografasse. Respondi que não. A obra não era minha. Continuou a olhar-me. Sem compreender bem resolvi assinar. Ela agradeceu, guardou o exemplar e despediu-se. Era hora de partir.  

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Fuga


Eu sei que aquele fantasma ainda sofre de assombração.
Bêbado, enrolado num tecido velho,
cava a terra e outros pretextos para uma diversão morna e
desaparece na geometria melancólica da vida.  
Perdoado, não se esconde mais,
nem prepara uma nova fuga do real.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Domesticação


Ali de chinelinhos à porta
consistente, áspera e pegajosa:
a vida e a sua obscenidade estúpida.
Vestida com retalhos da roupa de domingo
ainda quer salvar minúsculos minutos.
Gargalho.
Ela me desafia:
Usa agora, poeta, a tua melhor palavra.
Palpite: esse poema virou ofensa pessoal.