sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Poema da estação




POEMA DA ESTAÇÃO

E a vida já parece intolerável:
Braços colados, mãos pálidas.
Herdei isso, como herdei objetos confusos.
Mas herdei tarde.
Mesmo compreendendo a parte mínima das coisas,
fui cego de esconder os olhos e algumas tendências naturais,
enquanto várias estações passavam dentro de mim.
Esperei um raio ordenador, mas ele não veio.
Sobrou-me apenas a fixação sentimental  
e algumas máscaras.
Depois disso não sei mais nada.

domingo, 1 de abril de 2012

Estrela de amanhã


Sólida, inquieta, imperativa e livre de tudo,
uma estrela palpável acaba de renascer e já cheira a leite.
Inquieta, ignora o rio difícil da vida,
dispõe o essencial: a calma das flores abrindo, antigas palavras escritas nos muros, dores, desejos individuais como arranjos de formas agora vertiginosamente felizes.
Decido-me: serei todo certezas e devorarei qualquer verdade sem angústia.
E nisso, mesmo ruborizado, não verei constrangimento algum.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma última invenção


A tia louca já não nutre mais esperanças.
Debruçada na vida, estranha a soberba do convívio, do abandono, da medicina.
Fatigada das promessas, do caminho, ensaia um último pretexto,
e repousa consumida pela explosão do coágulo.
Eu disfarço a opressão num contentamento imundo,
pois discutir naquele momento seria atrapalhar a farra honesta da vida.  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Duas linhas

O poeta despediu a nostalgia e outros pertences de uso pessoal, mas ninguém fez caso.
Ressentido, embrulhou o  poema em papel pardo, e o refugiou, ali, no fundo da sacola,
junto com outros gêneros de primeira necessidade. No fundo, o que falta para essa gente é apetite...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Versinhos


A Irmã Rita dizia que os santos eram bons
e apontava as figuras coloridas na cartilha.
Eu, saudoso de existência, aderia na pele a esperança e
compunha meu dicionário com palavras bonitas:
Amor, paz, fé e humanidade.
Hoje sei:  ainda não conhecia a poesia.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lamento de poeta


Patético, ainda percorre as mãos indecisas nos volumes da estante.
As prateleiras são espessas: de aço, de hábito, de desejo.
Tu, de cristal.
Por isso perturba-te,
e num feroz desgosto de tudo,  mata de novo teu Cristo Jesus.
Mas é inútil.
As milícias do tempo já te tomaram o essencial:
o ritmo elementar dos passos, o vigor da carne, da próstata, das imagens.
Já não és gente, já não és homem, já não és poeta,
e nem mesmo podes amarrar sozinho o cordão dos teus sapatos.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Oficina de Criação Literária

Uma boa dica para aqueles que, assim como eu, gostam de escrever e se aprimorar no texto literário é a Oficina de Criação Literária ministrada pelo professor Caio Riter. O período de inscrições vai de de 27/02 a 02/03. Segundo soube, de fonte segura, o curso dura 2 semestres e, ao final, os textos dos alunos são publicados em livro patrocinado pelo Sintrajufe e divulgado na Feira do Livro. Bora lá participar. Essa eu não perco. O fone para contato é 3235-1977.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Morte Secreta

No centro da praça em ruínas,
tímidas freirinhas sem vocação empurram o tempo e outros substantivos menores.
Distribuem o minuto, o orgulho, o ódio e a doença.
Sem poesia
é impossível conjugar o verbo amar.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Sondagem

Um menino caminha taciturno pelas esquinas.
Quer tocar no amor e em outros tecidos pavorosos.
Mas já não pode.
Os homens e o vapor dos seus hálitos desmoralizam as palavras.
Impossível remexer na dor, na carne, na vida.
Um deles, por trás da barba, joga uma moeda.
Eu sentencio:
Salva-te da fome e de outras sugestões alimentícias.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Interpoesia

Que estranha máquina é essa que o poeta se negou de ver num relance?
Por certo não havia igual em Itabira.
Itabira só tinha pernas, pedras, família, infância, amores, palavras, o poeta e talvez a rosa.
A náusea veio depois,
o tédio, os vestidos e os maquinismos.
Gauche, perturbou-se, mas não podia.
Não era José, não era Raimundo nem mesmo J. Pinto Fernandes.
Era sim triste, orgulhoso, caduco de amor na velhice morna. 
Sem Deus, sem mundo, sem ternura, sem ácidos.
Se não é mais possível fazer versos, meu amigo,
ao menos toma com virtude o teu conhaque. 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Préstimos

Teu ser restrito, noturno e miserável
Renunciando bens, desejos menores e caprichos do ofício.
A barba que cresce empunhando o tempo e os sonhos.
Um gole quente
de batom, de álcool, de fumaça, de perdão.
A triste pressa das coisas
a contemplar a marcha telepática
das viúvas lembranças,
agora órfãs de todas as palavras.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Peregrinação

Num embate melancólico
de substâncias e estandartes,
desolado,
O pó vai perdendo a força: 
do cimento,
da argila,
do ar,
do esquecimento.